Esta série de textos discutirá questões relativas a como montar um projeto musical, conduzindo-o de maneira objetiva e tentando evitar os erros mais comuns quando se monta (ou desmonta!) uma banda. Serão tratados assuntos como profissionalismo, liderança, trabalho em grupo, estilo, repertório, gosto e aspectos pessoais, atitude e postura, planejamento de ensaios e shows, gravações “demo”, marketing, patrocínio, etc.
O PROFISSIONAL E O DILETANTE
Uma das quatro situações seguintes costuma estar acontecendo quando se decide formar uma banda:
1. Dois ou três conhecidos, possivelmente colegas de escola ou trabalho e com gosto musical semelhante, tocam pouco ou simplesmente ainda nem tocam um instrumento, mas resolvem aprender, já com a intenção (ou ao menos o desejo) de virem a formar um grupo;
2. Um grupo, cujos membros já tocam eventualmente juntos, acham que está na hora de incrementar seu equipamento e montar uma banda “pra fazer um som e ver no que dá”;
3. Um ou dois músicos, já com al
guma experiência e decididos a tentar fazer uma carreira profissional, propõem-se a realizar um “trabalho” e procuram outros participantes para completar a formação necessária.
4. Uma banda que já “existe” de fato, com projeto pronto para gravação de uma “demo”, consegue contatos com produtores ou empresários dispostos a “armar” a banda.
Nos dois primeiros casos, conforme descritos, parece tratar-se de amadores; o terceiro seria de semiprofissionais (ou pré-profissionais, pois profissionalismo não é coisa que se possa ser pela metade); o quarto caso parece coisa de profissionais propriamente ditos, porque já vivem à custa de seu ofício musical. Mas será essa – ganhar por algum serviço ou fazê-lo de graça – a diferença entre um músico profissional e um amador? Ou será que um músico pode dizer-se profissional quando sua vontade de fazer isso é maior que qualquer outra coisa?
Por que, então, a maior parte dos músicos “profissionais”, mesmo quando dedicados com exclusividade à Música, passa a vida toda sem conseguir realizar nada de significativo e nem ao menos tirar do seu trabalho uma condição material confortável? Enfim: onde estão as diferenças entre o profissional e o diletante?
No dicionário, a palavra profissional deriva de “professar”, “reconhecer, publicamente”, “, adotar”; diletante vem de “deleitar”, “divertir”.
É claro que o prazer de tocar é fundamental, pois é difícil pensar que se possa dar prazer aos outros sem que se sinta prazer em fazê-lo. Convém lembrar, no entanto, que os músicos são pagos para divertir aos outros, não a si mesmos; por isso é imprescindível esse prazer de tocar, desde que não seja colocado acima do prazer de quem está pagando para ouvir. Daí se pode estabelecer desde logo definições aceitáveis: diletante é aquele que toca porque acha divertido, mais ainda se estiver sendo pago para fazer isso; profissional é aquele que estuda, pratica, ensaia e, principalmente, preocupa-se que sua música seja sempre mais “deleitável” ao ouvinte, de modo que disso resulte uma remuneração compatível ao esforço empreendido. Em última analise, o músico é um “serviçal do prazer”, e a alegria do verdadeiro palhaço (o profissional) é ver o circo pegar fogo
Se o seu caso é so fazer um “som de garagem” nas tardes de sábado, para se divertir com os amigos e talvez tocar em uma reunião de família, rodinha na praia ou festinha de fim-de-ano do colégio, não precisa se preocupar se sua bandinha vai “dar certo” – com certeza não vai dar em nada. Mas suas tardes de sábado vão ser bem agradáveis.
Se, entretanto, você tem intenções sérias a respeito, já encontrou ou vai encontrar uma serie de problemas para resolver antes de concretizar seus projetos.
1. No caso de quem não toca ou é principiante, a única coisa que se pode recomendar é que procure logo bons professores. E quem é bom, quem não é? O jeito, aí, é perguntar a quem toca bem: onde foi que você aprendeu a tocar assim?
No Brasil (e em outros países com mentalidade ainda colonial) há um ditado: quem sabe, toca; quem não sabe, dá aulas. É uma frase bonitinha, mas mentirosa. Nos lugares civilizados, o ditado é outro: quem sabe toca; quem sabe mais, toca e dá aulas.
Uma dica: se você não pretende ser músico de orquestra sinfonica ou cantor de óperas, fuja dos conservatórios – o nome deles já diz tudo. No brasil, então, sua pedagogia é pré-histórica. Opte por escolas livres, que tem um curriculun mais voltado para o hoje, e ensina pra vc os conceitos de harmonia, improvisação ,ritmica, leitura e repertorio sem Ter que tocar única e exclusivamente musica erudita, se bem que conhecimento não ocupa espaço e nunca fez mal pra ninguém.
2. Dois ou três amigos se juntam, “fundam” uma banda, e em seguida procuram dois ou três outros para completá-la. Os “desconhecidos” tocam bem, são aprovados e passam a fazer parte do grupo.
3. Visto que o importante é começar a tocar logo. Apresentar-se em algum barzinho e ganhar experiencia, geralmente não se discute os objetivos nem se faz planos detalhados; no máximo, quando um músico convidado pergunta sobre isso. Ouvem-se respostas do tipo “vamos montar um repertório seguindo tal linha e depois a gente vê no que dá”, ou “nosso objetivo é, mais pra frente, gravar um disco (coisa que nem existe mais) e ser uma banda diferente”, ou ainda “minha prima é amiga da namorada do diretor artístico da gravadora tal e garantiu que…”, ou (pior) “nossa proposta é gravar um clip, estourar na Mídia, conseguir milhões de views no youtube, instagram, TV e ganhar um Grammy dentro de no máximo dois anos”. Só que nada disso é uma proposta ou um objetivo: qualquer pessoa normal gostaria de ganhar bastante dinheiro e ser apreciada por aquilo que faz, mas a música é outra coisa, muito diferente.
4. Não basta “conversar” sobre objetivos imediatos. É preciso “planejar” um esquema serio de trabalho, com metas a curto, médio e longo prazos. Será meio supérfluo, nas primeiras bandas da carreira de um candidato a músico profissional, gastar muita saliva com altos planejamentos, pois o que vem primeiro é adquirir experiencia, sentir na pele o que é trabalhar em grupo. Mas na seqüência, desenvolvendo-se a maturidade no métier, chegará um novo nível de exigências em termos de qualidade da música que se faz, dos equipamentos que se usa, dos locais onde realmente interessa trabalhar, etc.; é esse o momento de se falar mais sério a respeito daquilo que se pretende fazer.
Num mundo e numa época em que milhares de videos são lançados todos os dias nas redes, uma banda precisa estar bem consciente de suas possibilidades e estabelecer um planejamento rigoroso; fazendo isso, tem uma remota chance de “acontecer” no mercado do entretenimento.
5. Neste nível é provável que já se tenha algumas composições próprias, talvez até já gravadas em demo, de modo que os novos participantes entram para integrar-se ao trabalho e a banda continua a compor o que falte para realizar um projeto mais ambicioso. Uma falha comum é que nem sempre os “fundadores” são claros quanto ao que se espera dos “novos”: as composições serão somente dos membros originais e os outros irão apenas executá-las? Os que se juntaram depois poderão influenciar o trabalho com seus próprios estilos? A que ponto?
Mesmo tendo alguns contatos com produtores, um trabalho precisa “existir” para ser mostrado, ou seja, não se pode vender um produto antes que ele esteja pronto e acabado.
Quando uma banda se completa com músicos “externos” surge logo um primeiro dilema: encontrar pessoas afins com a proposta. É justo que os convidados venham com alguma expectativa de retorno artístico e monetário. Mas, em geral, os “fundadores” não querem tocar com alguém que so esteja prensando “na grana” ou que tenha delírios paranóides a respeito de “fazer sucesso”, mesmo quando reconhecem que ninguém esteja disposto a, alem de ter uma participação restrita na banda, tocar sem alguma compensação em vista. Tudo isso deve ser muito bem esclarecido antes de se começar a trabalhar pra valer. Muitas bandas deste tipo, por simples falta de clareza na discussão do projeto, só dura até ter o repertório mais ou menos pronto, ensaiar uma vez por semana e tocar esporadicamente durante o ano, ganhando praticamente nada.
Aí acontece o inevitável: se alguns dos músicos resolverem persistir no projeto, serão obrigados a trocar de músicos periodicamente, vale dizer, ensaiar tudo de novo com os substitutos, e assim por diante, até cansarem. Ganhou-se experiencia, é certo, mas o tempo gasto com isso poderia ter obtido resultados mais satisfatórios se a coisa tivesse sido melhor conversada
Quando não há metas nem planejamento, cedo ou tarde algum componente da banda vai se sentir explorado (se achar que está acumulando maior número e responsabilidade das tarefas do grupo) ou no mínimo prejudicado (se achar que já está fazendo a maior parte das concessões em relação ao seu próprio gosto musical ou interesse profissional). Isso quando as divergências e problemas musicais não chegam a um impasse, coisa comum de acontecer e que costuma representar que o navio está afundando irremediavelmente. Então se salve quem puder, pois a banda já não tem salvação.
Mas sigamos o raciocinio, a banda já “existe”, o trabalho está pronto, há uma boa quantidade de músicas disponíveis para fazer uma boa demo, já há alguns contatos com produtores ou ao menos canais conhecidos para fazer contato, o grupo se apresenta com alguma regularidade em bares, e shows, enfim: so falta conseguir um tecladista ou cantor ou back-vocalista no mesmo nível do grupo e “atacar” com uma mídia mais profissionalizada. O equipamento e os instrumentos são de alta qualidade. Sobre a gravação da demo – qual estúdio, que técnico de gravação, quem masteriza, como se mixa – falaremos num texto específico, mais adiante nesta série; por agora ficamos na montagem (ou desmontagem) da banda.
Nesta fase do trabalho, em que já se faz serviços remunerados regularmente, não será difícil conseguir a adesão de mais um ou dois músicos que sejam necessários ao acabamento final da banda. Chegando aos produtores, um aviso: muitos deles conseguem montar bandas com promessas como “mais pra frente vocês receberão tanto”, ou “quando vocês tiverem mais mídia os cachês aumentarão”, ou mesmo “agüentem mais um tempo, pois temos que arranjar verba para gravar alguns videos legais e isso custa caro”, etc. Só que é muito comum que os músicos não vejam a cor do dinheiro durante um bom tempo (ou nunca), até se cansarem do esquema “furado” – principalmente quando, apesar de tudo, são cobrados a continuarem fazendo um bom trabalho, seja isso o que for. Por causa de coisas como essa é que, ao acertar as coisas “profissionais” com um produtor ou agente ou até entre voces mesmos, sempre deve ser feito um contrato, que pode ser simples, mas que declare, preto no branco, quais os deveres e direitos (nessa ordem) de cada parte envolvida.
É muito melhor que os músicos e o empresário sejam, além de sócios no empreendimento comercial que é um conjunto musical, amigos. Isso não tem nada a ver com a dimensão profissional desse relacionamento; por isso, não importa que o produtor seja amigo de todos, ou que a produtora seja mãe do guitarrista – o contrato deve ser escrito e registrado na seccional da Ordem dos Músicos do Brasil. Dica: uma consulta a um bom advogado custa o mesmo que a um bom médico. É um gasto que, além de pequeno, precisa ser feito; quanto mais sucesso o grupo obtiver e melhores os ganhos financeiros resultantes disso, maiores as possibilidades de futuros processos judiciais – caríssimos e demorados. Muitas bandas famosas terminaram na frente de um juiz, o que é um final bastante triste para uma coisa que começou com tanto entusiasmo e que levou alguns dos melhores anos de nossas vidas.